

Luciana Azevedo-Presidente da FUNDARPE
Gilvan Oliveira e Manoel Medeiros Neto do Jornal do Commercio
Há onze dias, deputados estaduais da oposição questionaram o fato de a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), ligada ao governo do Estado, ter fracionado despesas com o Carnaval deste ano para fugir de licitações. Citou como exemplo o caso da empresa Kactus Promoções, que recebeu R$ 2,57 milhões através de 257 empenhos, a maioria com valor em torno de R$ 7 mil. Mas um levantamento no Portal da Transparência do governo estadual aponta que uma empresa de Caruaru (Agreste) supera as denunciadas pela oposição em recebimento de recursos sem licitação.
A empresa J.B. da Silva Eventos, cujo nome fantasia é Palco Show Promoções e Eventos, recebeu R$ 3,057 milhões da Fundarpe, nos últimos três anos, através de 470 empenhos (ordens da pagamento). O ápice dos gastos da Fundação com essa empresa ocorreu em 2008, ano das últimas eleições municipais. Foram R$ 2,62 milhões, fracionados em 423 empenhos, a maioria com valores em torno de R$ 8 mil (veja arte nesta página), o que justificaria a não realização de licitação – a Lei de Licitações permite a dispensa de concorrência para despesas até o limite de R$ 8 mil.
A Palco Show pertence a João Bertino da Silva. Ele é tio de um dos oficiais de chefia de gabinete do governador Eduardo Campos (PSB), Antônio Mário da Mota Limeira Filho, e cunhado do ex-prefeito de Riacho das Almas (Agreste) Mário da Mota Limeira Filho (PSB). O ex-prefeito foi derrotado em 2008, quando tentou reeleger-se. A esposa de Bertino, Maria das Dores Mota Limeira, é chefe da Agência do Trabalho do governo do Estado em Caruaru.
A assessoria de comunicação da Fundarpe informou que os recursos dirigidos à empresa em 2008 foram para pagamento de “cachês de artistas” que se apresentariam no Carnaval e nas festas juninas em vários municípios do Estado. Mas não detalhou com quem foram realizadas as despesas e defendeu a lisura dos contratos.
O JC visitou, na quinta-feira (20), a sede da empresa, no número 153 da BR-104, no bairro de Nova Caruaru, no município do Agreste. Ela funciona em um galpão amplo, de cerca de mil metros quadrados, onde estavam guardados quatro carros de som e armazenado muito material para montagem de palcos. Na Receita Federal, a atividade principal da empresa está registrada como aluguel de palcos, coberturas e estruturas de uso temporário, exceto andaimes. E como atividade secundária, produção de espetáculos de rodeios, vaquejadas e similares.
Na fachada do prédio-sede da empresa consta o anúncio de que ela oferece os serviços de aluguel de cadeiras, toldos, banheiros químicos, som e geradores, além de montagem de palco e contratação de bandas e artistas. A firma foi registrada na Receita em 30 de maio de 2005. Na ocasião da visita, na quinta-feira, a reportagem não encontrou João Bertino da Silva, mas conseguiu falar com ele por telefone. Bertino foi informado que se tratava de uma reportagem sobre os contratos entre sua empresa e a Fundarpe, mas alegou que estava ocupado e pediu para retornar no dia seguinte pela manhã para tratar do assunto.
RESSALVAS
Na sexta-feira (21), a reportagem contatou o proprietário em duas ocasiões. Pela manhã, ele mais uma vez se disse ocupado, mas acabou falando um pouco sobre a ligação de sua empresa com a Fundarpe. Afirmou que era contratado por prefeituras do interior para “produzir eventos” e o pagamento era efetuado pela Fundarpe. “Mas não presto mais serviço à Fundarpe desde 2009, porque é muito ruim receber deles. Atrasam muito o pagamento”, afirmou. E pediu para ligar às 17h, sob a alegação de que estava dirigindo. No horário, o JC ligou para Bertino, mas ele não deu retorno.
A empresa já foi alvo de ressalvas do Tribunal de Contas do Estado. O TCE aprovou as contas de 2007 da Prefeitura de Riacho das Almas – ainda na gestão de Mário da Mota Limeira Filho –, mas chamou a atenção para o fato de que a administração municipal gastou cerca de R$ 400 mil com eventos promovidos pela Palco Show naquele ano. O TCE afirmou que o princípio da impessoalidade não havia sido respeitado. Haveria ligações entre a empresa e o então prefeito.
Portal nem tão transparente
A comprovação do pagamento dos R$ 2,62 milhões pela (Fundarpe) à Palco Show em 2008, através de 423 empenhos, pode ser conferida através dos dados do Portal da Transparência do governo estadual (www.portaldatransparencia.pe.gov.br). A ferramenta, inaugurada em março de 2007 pelo governador Eduardo Campos (PSB), surgiu como uma das primeiras ações efetivas do novo governo após a campanha eleitoral de 2006, marcada pela promessa de transparência nas ações da administração pública.
Apesar do avanço – antes da gestão atual não havia possibilidade de acesso a nenhuma informação sobre o sistema financeiro do governo do Estado –, as movimentações vultosas destinadas à Palco Show e as quase inexistentes informações referentes a elas exemplificam a debilidade do sistema de divulgação dos gastos, festejado pelo Palácio das Princesas desde a sua inauguração. Acessado pela reportagem, o Portal da Transparência não informa a justificativa dos pagamentos por empenho, informação básica para que o cidadão acompanhe de forma consistente o entra e sai de recursos do erário público.
Na lista dos empenhos destinados à empresa sediada em Caruaru, 411 registram valores menores ou igual a R$ 8 mil, fato que permite a dispensa de licitação e, consequentemente, a inexigibilidade de divulgação do certame no Diário Oficial do Estado. Os 12 documentos restantes representam pagamentos à empresa no valor máximo de R$ 15 mil. Questionada pelo JC, a Fundarpe respondeu através de sua assessoria de comunicação. De acordo com o setor de relacionamento com a imprensa, os R$ 2,62 milhões pagos à Palco Show em 2008 referiram-se a pagamentos de cachês de artistas que se apresentaram nos ciclos do Carnaval e do São João daquele ano, patrocinados pela Fundação.
“Não há tempo disponível para conferirmos empenho por empenho”, registrou a assessoria. Em análise realizada no início do ano, o diretor-executivo do Transparência Brasil, Cláudio Abramo, afirmou que o Portal da Transparência do governo de Pernambuco é “muito ruim”: “Ele não tem praticamente qualquer informação inteligível para o público. Falta quase tudo. Não dá para fazer acompanhamento de nada”. Diferente do governo estadual, o Portal da Transparência do governo federal especifica quais os motivos dos empenhos emitidos pela União.
A justificativa da Fundarpe em relação aos gastos com a Palco Shows é a mesma apresentada há 11 dias, quando a bancada de oposição na Assembleia Legislativa divulgou relatório com informações sobre gastos da Fundarpe nos primeiros dias de fevereiro deste ano. No mais recente período pré-carnavalesco, a Fundação emitiu 1.860 empenhos, que somados totalizam R$ 21,5 milhões. Na ocasião, a presidente da Fundarpe, Luciana Azevedo, afirmou que não contratou empresas e sim artistas. “Vocês têm que perguntar aos artistas porque eles escolheram as empresas”, justificou. A Fundarpe não apresentou, entretanto, a lista das atrações contratadas. A divulgação da lista esclareceria dúvidas e facilitaria a comprovação da legalidade das ações.
No Tribunal de Contas do Estado (TCE), a análise da prestação de contas do exercício de 2008 da Fundarpe ainda não foi finalizada. Sob a relatoria do conselheiro Carlos Porto, a documentação encontra-se na Divisão de Contas de Autarquias e Fundações do Tribunal.
Fracionamento de despesas é questionado
No caso da contratação da empresa Palco Show Promoções e Eventos, o fato de a Fundarpe dividir R$ 3,057 milhões em 470 empenhos levanta questionamentos sobre se as despesas foram fracionadas para fugir da licitação. Esse é um artifício que vem sendo cada vez mais condenado por tribunais de contas e Ministério Público. Isso porque quando gestores públicos dividem a despesa em vários blocos com valores menores que R$ 8 mil, ele está dispensado de licitação pela lei. Mas como fica configurado fracionamento fraudulento?
O JC entrevistou o procurador do Ministério Público de Contas (MPC) Cristiano Pimentel para tratar, em tese, do assunto. Segundo ele, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) têm posições idênticas em relação ao assunto. “É ponto pacífico aos dois tribunais que o fracionamento fica configurado quando o ente público tem uma despesa regular, que vai se realizar durante todo o ano, que é possível prever com planejamento e que pode ser contratada por uma licitação global, mas, mesmo assim, o gestor faz a opção por vários pequenos contratos”, explica. Ele acrescenta que este tipo de comportamento é considerado como criminoso pela Lei de Licitações. Pimentel não quis avaliar especificamente o caso da Fundarpe. “Não vou me pronunciar sobre casos concretos”, avisou. Mas advertiu que realização de eventos necessariamente não justifica a dispensa de licitação.
Esse é a segunda vez em seis meses que gastos públicos do governo Eduardo Campos (PSB) com eventos são colocados em xeque por deputados da bancada de oposição. Em novembro, denúncias de shows-fantasmas realizados pela Empresa Pernambucana de Turismo (Empetur) provocaram a queda do então secretário de Turismo, o deputado estadual Sílvio Costa Filho (PTB), e do presidente da Empetur, José Ricardo Diniz. O Ministério Público Federal apura o caso. Desta vez, o foco recai sobre gastos da Fundarpe, dirigida pela ex-vereadora do Recife Luciana Azevedo (PT).
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